Sala de Ensaios C1

Consegui ouvi-la fungar, como se chorasse. Oh meu Deus, eu tinha feito com que ela chorasse?! Levantei-me aflito, sem saber o que fazer. Não ia passar de lá do biombo, ela podia não querer, mas também não podia simplesmente ficar ali.
- Hum, Jaymelin, queres...queres ficar sozinha? - perguntei meio reticente, perto do biombo.
Percebi que essa pergunta era uma estupidez, milésimos de segundo depois, porque se ela agora dissesse que sim eu seria obrigado a ir embora, e eu não queria.

Nao respondi. Limitei me a limpar debilmente as lagrimas de novo. Eu gostava dele, ja havia dito, nem tinha reclamado quando ele me beijara, nem havia dito pra ele parar, pra se afastar de mim... Porque raios merecia aquilo entao? Eu merecia?

Não me mexi, ia ficar ali, se ela não me respondia. Ia ficar ali o tempo que ela demorasse a sair detrás daquele biombo.
Dei comigo a pensar no quanto aquilo parecia uma birrinha de criança, mas não me importei. Eu não podia deixar que ela ficasse a pensar que eu era um imbecil.
Bem, eu era um imbecil, mas não ia dar a entender isso...

Levei as maos a cabexa, sem conseguir parar de chorar. Sentia o meu corpo tremer, so conseguia ficar ainda mais nervosa. Eu nao queria que ele me ouvisse, nao queria que ele soubesse que eu o fazia, que era estupida a esse ponto. Mas so conseguia chorar.

Eu nunca tinha tido jeito para pessoas a chorar, ficava sempre sem saber o que fazer, sem saber como agir... O que é que eu poderia dizer que a fizesse parar de chorar? Não conseguia ouvi-la a chorar e temia que não conseguisse vê-la com as marcas das lágrimas nas suas bochechas, tinha mesmo de fazer alguma coisa. Não ia contar anedotas, isso ia parecer ridículo e deveras insensível! O que é que a minha mãe me fazia quando eu chorava? Ela abraçava-me e repetia mil vezes que tudo ia ficar bem, como daquela vez em que me magoei. De facto isso ajudava-me a sentir melhor, talvez resultasse com ela. Aproximei-me um pouco mais do biombo.
- Jayme? Podes vir aqui? - perguntei, arrependendo-me de dizer aquilo daquela maneira tão estúpida, parecia ridículo pedir-lhe aquilo.

Nao sai dali. Para que queria ele que eu fosse ter com ele, afinal? Eu ja havia percebido muito bem que ele nao me queria da mesma forma, que nao sentia o mesmo. Entao porque... Porque eh que ele me pedia aquilo?

Contornei o biombo e vi-a sentada no chão. Mordi o interior da bochecha quando me ajoelhei e vi que tinha realmente as marcas das lágrimas nas suas bochechas. Não que parecesse menos bonita com elas lá, continuava linda...
Fiz o mesmo que tinha feito à bocado e com um dedo no seu queixo obriguei-a a olhar para mim.
- Por favor não chores - pedi limpando as marcas húmidas das lágrimas com o polegar.

Ergui os olhos na sua direcção, controlando a vontade louca que tinha de me mandar para os seus braços e beijá-lo. De lhe pedir para ficar comigo, implorar-lhe que gostasse de mim. Mas ele não o sentia e eu não ia obrigá-lo a tal. Por isso, só consegui encarar as mãos de novo.

- Olha para mim.
Sentei-me de pernas cruzadas à sua frente e peguei numa das mãos dela sem pensar muito bem nas consequências que isso podia ter. Ela podia tirar a mão da minha, mas eu não me importei minimamente. Nunca dei muita importância à rejeição, era mais teimoso que isso.
- Gosto que me olhes nos olhos - acrescentei.

Encarei-o. Só olhar naqueles olhos me fazia ter vontade de jogar tudo pela janela. De o abraçar. De lhe pedir para me dizer que ia ficar tudo bem. Só que não podia fazê-lo. Simplesmente, não podia.
Era, de facto, uma parvoíce eu gostar dele como gostava. Não fazia qualquer tipo de sentido. Eu sabia perfeitamente que era isso que ele pensava. Que eu não devia ter juízo para me sujeitar a algo assim.
- Não te preocupes comigo...

- Não percebo porque é que dizes isso... para não me preocupar - balbuciei simplesmente, encaixando melhor a minha mão na sua. Agora que via a minha mão a agarrar a sua parecia que tinham sido feitas para andarem dadas, como se encaixassem perfeitamente uma na outra.

Sabia bem sentir a pele dele contra a minha. A mão dele era... Tão quentinha. Eu sentia a minha gelada. Tinha frio.
- Porque só penso e faço disparates.
Falei baixinho, antes de afagar a sua mão, sem crer.

Com a mão que não agarrava a sua acariciei com suavidade a sua bochecha, mas depois corei, quando me apercebi que nem sequer tinha pensado no que estava a fazer, mais uma vez...
- Não é verdade - disse-lhe com um tom tranquilizador a notar-se na voz.

- Claro que é.
Garanti, com uma certa tristeza. Vi-o corar e senti as bochechas avermelharem também. Era errado eu gostar de estar com ele? Gostar que ele me desse carinhos?

Sorri mais abertamente face às suas bochechas coradas.
- Disparates fazemos todos... Mas não me pareces rapariga de fazer disparates...
Afaguei a sua mão com o polegar e levei-a aos meus lábios, para a beijar suavemente, voltando a pousá-la no mesmo sítio.

- Eu pareço estar constantemente a fazê-los. Acredita.
Olhei para as nossas mãos, assim juntinhas. O toque dele era tão suave, sabia tão bem. E eu gostava. Fazia-me bem quando ele me dava carinhos. Eu adorava os carinhos dele, eu... Por mim, passava o resto da minha vida só assim. Perto dele.

Encolhi os ombros e levantei-me, sem largar a sua mão.
- Não faz mal que faças disparates, Jaymelin, eu também os faço e bem... eu até gosto de raparigas que fazem disparates, são queridas - e terminei com mais um sorriso tímido, oferecendo-lhe a minha mão para a ajudar a levantar.

Apoiei a minha mão na sua, aceitando-a para me levantar. Ao fazê-lo, voltámos a ficar muito perto. Senti os familiares arrepios de novo e não consegui aguentar não fechar os olhos. Se ele não me beijasse... Bem... Era só mais uma tampa.

Suspirei quando a vi de olhos fechados, mas foi um suspiro visivelmente satisfeito. Senti que tinha cumprido a minha "missão", eu tinha conseguido fazê-la parar de chorar e isso, bem, isso era tudo aquilo que eu queria naquele momento.
Encostei os meus lábios aos dela e afastei os seus cabelos da sua cara com uma mão.

Quando senti os seus lábios nos meus... Não consegui evitar não os mover, não consegui obrigá-los a não vaguearem pela sua boca, sentindo o seu sabor. E as nossas mãos... Quando os seus dedos se entrelaçaram nos meus... Foi como se eu estivesse prestes a perder o equilíbrio e só aquela parte dele me segurasse, de pé.

Sem sequer pensar nisso elevei mais as nossas mãos enquanto a beijava, para permitir os meus dedos encaixarem melhor nos dela, como se não quisessem largá-los. Senti aquela sensação louca na barriga a percorrer-me pelo corpo todo. Diziam que se sentia borboletas na barriga, mas era pior... Pior no sentido de muito melhor. Era... eram formigas minúsculas que percorriam todo o nosso corpo, despertando cada parte do mesmo, chegando até à ponta dos dedos das mãos e dos pés. Até o meu cabelo parecia estar de pé com aquela sensação de formigueiro no meu corpo.
Por momentos pareceu-me que perdi o controlo sobre o meu corpo e que me entreguei a ela por completo, deixando os meus lábios seguir o ritmo dos seus e moverem-se de forma a adaptarem-se aos seus.

Os movimentos deixavam, aos poucos, de ser suaves.
À medida que as nossas mãos se encaixavam mais uma na outra, os nossos corpos iam, ao de leve, aproximando-se. Os beijos não iam além disso mas... Já não eram só beijos. E nem eu queria que fossem. Eu... Estava apaixonada por ele. Mesmo a sério e contra tudo o que ele podia acreditar.

A minha mão, anteriormente no seu cabelo, deixou de o segurar e passou a apertar a sua cintura contra o meu corpo. Não queria deixá-la fugir, não queria mesmo. Eu... queria-a para mim, para ficar só comigo. Pelo menos naquele momento queria levá-la para longe dali para poder ficar com ela.

- Eu... Heath... Não consigo evitar...
Deixei que as nossas testas ficassem apenas encostadas quando o beijo se quebrou naturalmente, antes de procurar os lábios dele, novamente.
Eu... Queria dizer-lhe. Queria dizer que gostava dele. De novo. Se depois ele não me quisesse, se quisesse que ficasse tudo por ali, eu havia de aguentar. Mas tinha de tentar, pelo menos. Ou ficaria a pensar no que podia ter sido, se...

Abri os meus olhos, apenas para fixar os seus.
- Não tens de evitar - respondi, presumindo que ela se referisse ao beijo.
Eu também não conseguia evitar. Não é que tivesse tentado, mas sabia que não conseguia evitar beijá-la daquela maneira. Ela podia pensar que eu era um parolo imbecil, um cromo de primeira, por a estar a beijar daquela maneira quando eu só a conhecia há umas horas... Nem eu conseguia compreender muito bem o que é que me estava a dar. Não beijava qualquer rapariga, muito menos da maneira que a beijava a ela.
Sabia que não era só a sua beleza inevitável que me atraía, era algo mais que isso. Eu não beijava qualquer rapariga bonita. Talvez fosse a maneira como ela tinha falado da fotografia minha que encontrou na praia, mesmo sem saber que era eu. Isso tinha despertado qualquer coisa em mim.